[Cinema] Veríssimos (6) Sobre cenas introdutórias dos filmes em “Começos”

Qual é o melhor começo de filme que você já viu? Lembro de três. Um ficou na história porque foi a primeira vez, salvo desmentindo do Goida, que se fez prólogo no cinema. Ou seja, uma sequência inteira antes de aparecerem o título e os créditos. Comandos ingleses desembarcam na África do norte. Atacam uma fortificação alemã, metralham tudo e todos até serem dizimados também. No final da sequência, um dos comandos, antes de morrer, pergunta a um soldado alemão: “Conseguimos pegá-lo”. O alemão sorri faz que “não” com a cabeça. Surge o título do filme: A raposa do deserto. Sobre o indestrutível marechal Rommel. Outro começo antológico é o de Janela Indiscreta, de Hitchcock. A câmera passeia por um interior. Numa única tomada, mostrando só objetos e fotos, sem o auxílio de uma palavra na trilha sonora, ela os diz quem é e o que faz o dono da casa e como foi o seu acidente. No fim da tomada a câmera sobe pela perna engessada de Stewart e, quando enquadra o seu rosto, olhando pela janela, já sabemos tudo que precisamos saber sobre ele e sobre a situação. Não fosse Hitchcock o rei da síntese visual. Mas o melhor começo de todos, para mim, é o de Yojimbo (ou é o outro, chamado, se não me falham os neurônios, Sanjuro?). O samurai do Kurosawa vem por uma estrada e chega a uma encruzilhada. Não sabe que caminho escolher. isto, por um dos caminhos, surge um cachorro com alguma coisa na boca. Quando chega perto vê-se o que ele tem na boca: é uma mão decepada. O samurai não hesita. Segue pelo caminho por onde veio o cachorro, sabendo que no fim daquela estrada encontrará emprego. Você certamente terá começos melhores. Por favor, não os mande. Morro com estes.

Luis Fernando Veríssimo em “Banquete com os deuses”. Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2003. Página 55.

* Veríssimos é uma série do Diversitá que republica textos de Luis Fernando Veríssimo sobre artes.

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