[Cinema] O ‘desestabilizar’ – confira a resenha de Ricardo Oliveira sobre ‘Amor Sem Escalas’

"Amor Sem Escalas", de Jason Reitman

O “desestabilizar”

Um dos temas que tenho mais apreço em narrativas cinematográficas é o “desestabilizar”. O austríaco Michael Haneke atropela o mundo dos seus personagens com a chegada do mal desde “Violência Gratuita” até “Caché”; os brilhantes irmãos Coen mostram como os próprios valores dos seus estereótipos americanos se despencam no correr da vida. Jason Reitman, numa atitude bastante segura, desestabiliza o inverso dos irmãos Coen em “Juno” e agora no excelente “Amor Sem Escalas”. Interessa a Reitman mostrar que o mundo cool e sem afetos de Ryan Bingham (George Clooney vivendo um especialista em demitir pessoas durante a crise americana de 2008) também tem estruturas instáveis.

Vera Farmiga e George Clooney em "Amor Sem Escalas"Bingham, em suas palestras motivacionais, ensina as pessoas a serem desapegadas de tudo aquilo que pode ser um atraso: família, amores, grandes e pequenos bens pessoais. Ele não não tem dúvidas de que seu mundo é melhor sem o que usualmente se chama amor. O que faz nos intervalos da sua jornada de demissões é preparar o caminho para que os demitidos sofram menos. Pode ser qualquer um, a qualquer momento. Ele se sente confortável nas viagens, quando consegue por alguns horas estar nas alturas, acima de tudo isso. É o seu lar, como o próprio afirma.

A elegância milimetricamente organizada do mundo de Bingham não é desestruturada com a chegada da bela Alex. Suas personalidades são idênticas e ali há apenas aventura, descarga sexual (“pense em mim como uma vagina”, ela diz). A nenhum dos dois interessa ser, basta estar . O choque no mundo do palestrante motivacional vem com a presença da inexperiente e passional Natalie. Ela é o oposto de Ray, mas ele, ao mesmo tempo, também é seu ideal profissional. O que há em meio à sua fragilidade é a segurança de que o mundo de Bingham não é tão perfeito assim. O homem de milhares de conexões de vôos é o mesmo que ouve da aprendiz: “você criou um estilo de vida onde é basicamente impossível criar conexões com pessoas”.

A posição mais fácil para realizador da obra seria apenas dizer que o mundo de seu protagonista não é tão bom assim – tornando-se um juiz tolo. Entretanto, há críticas ao que Natalie representa em todo tempo. Para o diretor, ela faz parte da geração disposta a demitir pessoas e terminar relacionamentos de forma mediada e fria, via computador ou SMS. As atitudes simplistas da geração da moça são permeadas por uma esperança que soa vazia – pois são inexperientes; as escolhas desapegadas de Ryan e Alex são tão vazias quanto – pois são egoístas. Mas o diretor faz esses mundos se encontrarem, e como solução Reitman se posiciona claramente quando faz sua declaração de fé no sustento que vem do outro, através de pequenos depoimentos com o objetivo de soar documental. A carga realística, já bastante arriscada (mas evidentemente sincera), se amplifica na última canção que toca no filme (durante os créditos). Ao seu início, o compositor diz algo ao diretor, como: “Olá, Jason. Eu escrevi essa música porque perdi meu trabalho. Espero que possa servir para seu filme”. Impossível não sair gravemente emocionado da sala.

4 Replies to “[Cinema] O ‘desestabilizar’ – confira a resenha de Ricardo Oliveira sobre ‘Amor Sem Escalas’”

  1. Ofilme me pegou pois este lance de largar uma vida descompromissada pra se comprometer com a pessoa errada te desloca e desconserta!

    O carater documental que tu citou me legitima a evidencia enganosa da imagem. Você crê piamente que na festa de casamento aquilo de romance tá funcionando até o choque da visita! Como vc disse o diretor sabe dar um ar cool sem parecer piegas!

    Talvez o maior exemplo de desestabilidade que teu texto aponto, pelo menos pra mim foi ele não conseguir dar a palestra e sair corrento antes do encontro citado!

    É um belo filme, seguido de um belo texto que tu escreveu. Pelo menos vou deitar pensando nos dois pra que o filme seja bem absorvido!

    um abraço

  2. Só agora vi o filme e vim aqui para reler teu texto e confirmar a minha impressão: ele é melhor que o filme! A última canção que toca durante os créditos é Be Yourself, perfeita, uma bela canção de um disco seminal do Graham Nash. bjs

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