Bráulio Tavares fala sobre Minority Report

minority_report

Bráulio comenta um dos meus filmes preferidos, com observações sempre interessantes.

Estive num debate recente sobre o filme “Minority Report” de Spielberg. Vi esse filme em 2002, quando foi lançado, e depois não tinha visto de novo. Nesta segunda vez o filme passa bem no teste. Na maioria desses filmes com muita ação acontece da gente ver uma cena e perguntar: mas afinal, James Bond ou Vin Diesel ou Tom Cruise está fugindo de quem, agora? O que diabo ele foi fazer naquela casa? Quem diabo é aquele cara que salvou ele? A ação se impõe dramaticamente por uma questão de rapidez e vigor físico, mas às vezews essas coreografias persecutórias estão presas a uma trama baseada no inverossímil-por-conveniência ou no coincidência-a-qualquer-custo. Em todo caso, é um filme que usa fórmulas mas interfere nelas de modo interessante. “MR” é um filme de ação convencionalmente perfeito, um bom “whodunit” policial e traz uma premissa FC mais quântica do que parece à primeira vista.

“MR” pertence ao subgênero narrativa-de-herói-em-fuga, e tem velocidade de HQ em sua narrativa. Como filme de mistério policial, rende homenagens através dos nomes dos três personagens “precogs”, que adivinham o futuro: Agatha (Christie), Dashiell (Hammett) e Arthur (Conan Doyle). Quando uma cena crucial do filme ocorre num flashback em Baltimore, não há como não pensar em Poe. E tem algumas figuras de linguagem caras aos aficionados do mistério, como o criminoso se denunciando ao falar demais, deixando escapar um detalhezinho de informação que afirmara não conhecer. (Sem falar em outras, como o crime-cometido-duas-vezes-para-disfarce, e a entrada-bem-facinha-na-super-sala-de-segurança).

Do conto original o filme herdou a situação paranóica do cara inocente que é perseguido por todos e precisa provar que é inocente, e para isso tem que descobrir quem está querendo mesmo ajudá-lo e quem armou contra ele. É uma paranóia guerra-fria, e no conto é agravada porque o cara não é um atleta e acrobata como Tom Cruise. O herói do conto, Anderton, é um cara gordo, careca, prestes a se aposentar. Ele se sente ameaçado por um cara mais jovem (Witver, Colin Farrell no filme) pois acha que este quer inclusive tomar-lhe a esposa, que também trabalha na polícia. Há um triângulo amoroso-conspiratório simétrico a este em “O Vingador do Futuro”.

Kubrick era um inquietador de platéias, como Orson Welles ou Buñuel. Spielberg é um manipulador de platéias, como Hitchcock ou Chaplin, que como ele são “animais cinematográficos”: pensam em forma de câmara. Inventaram (ou precognizaram) uma importante criação da civilização norte-americana, a ciência do ritmo narrativo, cujo know-how pode se tornar benéfico nas mãos de quem não se limite a ele.

Publicado no Jornal da Paraíba.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *