[Cinema] ‘Alice no País das Maravilhas’, de Tim Burton – leia a crítica do filme

Destino e identidade: a descoberta de si em Underland

Tim Burton sempre evidenciou o seu processo autoral mais por suas propostas estéticas do que na escrita de roteiros. Isso quer dizer que boa parte de seus bons filmes, como Edward Mãos de Tesoura ou o recente Sweeney Todd, não foram exercícios do diretor sozinho. Alguns deles foram escritos em parceria ou Burton não chegou a participar deste processo inicial (como em Peixe Grande, por exemplo). Deste modo, o excêntrico mundo de Burton sofreu algumas vezes o percalço de textos não tão ricos quanto sua proposta estética, seu trabalho com atores, seu olhar sobre o modo de fazer cinema. Dedos de produtores, dedos de roteiristas.

Alice no País das Maravilhas era o tipo de projeto que todos olhavam e diziam: “isso nas mãos de Tim Burton será a coisa mais genial já feita”. Acontece que, de antemão, apesar de toda a expectativa, já deveria haver um pé atrás: o novo roteiro estava nas mãos de Linda Woolverton, responsável pela escrita de filmes infantis como O Rei Leão e Mulan. Sem demérito destas obras, um dos pontos mais evidentes desta versão de Alice, é justamente o despreparo em contar uma história que flua com naturalidade dentro do universo burtoniano que já estamos acostumados. Mas Alice é o filme que nós vemos ou o filme que queremos?

Acompanhar a tragetória de um diretor hollywoodiano de traço autoral é sempre um desafio. Tal qual Shyamalan, Burton também impõe mais ou menos o seu traço de acordo com as variações de estúdio. A expectativa dos fãs é grande e aqui temos a soma de fãs da obra de Lewis Carroll e de Burton. O cineasta, especialista em filmar ambiguidades e em análises lúcidas da condição atual do humano, se acovardou ou foi reduzido às imposições da senhora Disney? Nunca saberemos em verdade, logo, nos resta o que está na tela:

Alice no País das Maravilhas é, em seu contexto, uma obra coesa e pouco importa se você assistí-la em 2D ou 3D. Para esta Alice mais velha, descobrindo a toca do coelho ao enfrentar a indecisão sobre um possível noivado, há pesadelos que precisam ser perseguidos. A jovem insiste que Underland não é mais que um sonho do qual ela poderá acordar a qualquer momento. Não percebe, na verdade, que este novo mundo subterrâneo é pura realidade e se lhe cabe onirismo, é muito mais sinistro do que belo.

Sim, há doçura. Mesmo na falta de ousadia do filme na escolha em ser mais distante da escuridão (comum à obra de Burton), é sensato ressaltar a facilidade com que Johnny Depp consegue ser bittersweet em suas atuações. Nenhum ator hoje sai do sereno para o insano com tanta facilidade. O Chapeleiro, tal qual toda Underland, exprime a realidade que perturba Alice: a brutalidade deste mundo (um “pesadelo real”) é que nos enlouquece.

_ Quem é você? pergunta Absolem, a lagarta azul fumante.
_ Pensei que já tínhamos resolvido este impecilho, responde Alice, um tanto irônica.
_ Oh. Você é quase Alice.

O diálogo acima, entre nossa protagonista e a idosa lagarta azul, é determinante àquilo que o filme se propõe. Esta é uma jornada de destino, propósito e, por consequência, de identidade. Criança ou adulta, Alice tem uma Under/Wonderland que lhe persegue e sempre lhe trará novo olhar. A certa altura do filme, a rainha vermelha (brilhantemente interpretada por Helena Bonham Carter) é questionada por seu valete Stayne: não é melhor ser temida do que amada? Apesar de um dos trechos finais cair na grande bobagem de dar “boas respostas” aos costumes familiares que “oprimem” Alice, resposta melhor nos é dada naturalmente, sem nada a nos forçar: preferimos amor, ainda que louco.

_ Teria que ser meio maluca para sonhar comigo, afirma o Chapeleiro Louco.
_ Eu devo ser meio maluca, então – responde Alice.

__________

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (EUA, 2010, Tim Burton)
Visto no Box Cinemas em 3D (Sala 6) e posteriormente em 2D (Sala 5).

4 Replies to “[Cinema] ‘Alice no País das Maravilhas’, de Tim Burton – leia a crítica do filme”

  1. Eu realmente gostei de Alice, não é tão fantastico e foca mais na aventura, adimiro Burton e não poderia esperar um desastre de filme, não foi tão bom como o esperado, mas o filme é bom, Mia Waskowska esta muito bem como Alice, assim como Depp como Chapeleiro Maluco, e Carter como a Rainha Vermelha.

  2. Ainda não fui assistir (mas por medo de pegar algum cojuntivite pelos óculos 3D[oenças]…), mas até pelo seu texto vejo algo que já previa antes: não se ater apenas a "fidelidade" da obra de Caroll e curtir…

  3. Sim, Audaci…até pq o roteiro brinca com o primeiro e o segundo livro de Carroll da série. Rainhas que se misturam e outras coisas. O ideal é ir esperando uma nova visão da obra e curtir o clima mesmo.

  4. Ridiculo o filme, salvo pelo visual e figurinno…
    Burton traido pela Disney com suas produções chatas e sem graça.

    Burton e Depp são mais q isso…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *