Lost: mocinhos ou vilões?


Texto que, possivelmente, você considere que contenha spoilers. Entretanto, tento não falar especificamente de nenhuma cena que possa revelar algo importante a você.

A grande enrrascada em que os roteiristas de Lost se meteram, iniciou com a ousada escolha de fazer um flashback de Benjamin Linus. A série, nas primeiras temporadas, nunca se permitiu sair do limite de contar, no máximo, apenas uma história paralela a outra. Mesmo seguindo esse caminho, desde sempre fomos acostumados pelo ritmo que girava em torno de um personagem específico, passeando entre histórias da ilha e os flashbacks fora dela. Contar verdades sobre o principal “outro” (o inimigo por natureza) seria lançar-se numa enrrascada com os espectadores. Obviamente que a reação natural seria: se está na chuva, é pra se molhar.

Nessa lógica, com o passar dos episódios, é perceptível que os produtores fizeram essa escolha porque tinham algo em mente. Ben, especialmente nesta quarta temporada, deixa de ser aquele por quem temos repulsa completa e se transforma em alguém para quem olhamos e ficamos admirados com sua capacidade de articulação, domínio sobre as pessoas e, até mesmo, misericórdia e um tantinho de amor (como se confirma nos últimos episódios desta temporada). Se algumas virtudes surgem no vilão, como sempre, fica a dúvida se elas não são inteiramente egoístas ou se existe alguma ponta de altruísmo no sr. Linus. Vilão sem carisma não é vilão.

Um segundo objetivo em mente (e este é sempre um dos mais interessantes e pouco perceptíveis devido à nossa relação intensa de espelho com o que assistimos) é a questão do contraponto. Como é levantado por Gabriela Spinola no blog Lost Unplugged, vemos neste último episódio duplo a consagração das mudanças dos nossos heróis. A redenção sempre é um ponto-chave, sendo revelada das mais variadas formas e, talvez até, colocada de forma invertida. Assistimos ao badboy transformando-se em alguém que abre mão, para ver quem ama, se salvar; assim como vemos o grande líder pensando bastante em si mesmo na hora em que a coisa realmente aperta, e o “tudo ou nada” vem com força fora do normal (se é que existe normal em Lost) .

Quando assisto aos mocinhos da história tendo de repensar tudo que escolheram, imaginando a possibilidade de retroceder toda sua batalha, me pergunto se a série não conseguiu em parte, através de Benjamin, transformá-los em vilões também (ou ao menos no mesmo patamar de carisma com Ben). A trama coloca os sobreviventes na próxima temporada sob a manipulação do vilão em um nível nunca visto antes: ter de fazer justamente aquilo que eles nunca imaginariam ter de fazer, depois de tamanho desastre. Tudo isso porque deixaram para trás o que não esperavam deixar e, sem dúvida, dependeram completamente de Linus para conseguir tudo que sempre sonharam dentro da ilha. Veja só onde nos colocaram, o vilão é o responsável pela salvação?

Ricardo Oliveira

One Reply to “Lost: mocinhos ou vilões?”

  1. Ricardo, realmente essas mudanças ocorrendo nas personalidades das pessoas é a marca dos ultimos momentos Lost. Agora acho que os produtores amarraram muito bem tudo isso, o que me leva a crer que sempre esteve pronto todo o roteiro de Lost, seria dificil mudarem alguma coisa sem prejudicar toda linha de acontecimentos da serie… é isso ae valeu

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