um poema e uma indicação

– manhã suave –
por semcor em 2006


disseram que nessa manhã suave,
o centro era a dureza do coração

ela, que olha cega pela janela,
enxerga escuro no ensolarado e
nas noites não vê claridade.

o vento cantava bossa,
árvores dançavam balé
ela dizia “que tango é esse…?”

no entreato, desenha na parede
o sol que escondeu
a lua que matou.

Hermila, em “O Céu de Suely”, novo filme do diretor cearense Karim Aïnouz

O novo filme do diretor Karim Aïnouz é jóia rara no cinema atual, não apenas brasileiro. O filme é das mais belas representações do Nordeste já feitas, junto a pérolas como “Vidas Secas” de Nelson Pereira dos Santos, “Cinema, Aspirinas e Urubus” de Marcelo Gomes ou o curta-metragem “A Canga” do paraibano Marcos Villar.

Longe de ser um filme sobre um paraíso ou belezas da nossa terra, “O Céu de Suely” é o drama de Hermila, a mãe de Mateus, garoto que recebe o mesmo nome do seu pai, que os abandona quando mãe e filho voltam à cidade natal, Iguatu, no interior do Ceará.

Trens e caminhões passando, caminhadas inteiras filmadas sem corte. É o estilo do diretor para mostrar que esse é um filme sobre um tempo que passa e que está sendo vivido com a dureza de enfrentar as adversidades, a leveza de se encontrar o renovo do amor. Ao mesmo tempo, um cinema de corpos. Pessoas que dançam forró com paixões à flor-da-pele, que chegam ao ponto de rifar “uma noite no paraíso” para poder continuar a caminhar, fluir como gente que precisa sobreviver. É isso que Hermila faz: adota o apelido de Suely e sai pela cidade a vender uma noite de sexo para os homens da cidade.

Karim Aïnouz possui uma câmera neutra que não filma esse ato com parcialidade. Não o mostra com distanciamento (que talvez revelasse aversão). Mostra-o bem de perto, exibindo a dureza, a frieza do ato e todo o drama. Isso porque, é preocupação do diretor, exibir na tela um Brasil de pobres que, quando nada mais tem na vida para poder ganhar dinheiro, acreditam que seus corpos é a última alternativa. Não é à toa que uma das amigas de Hermila é uma das prostitutas da cidade.

Mas o que há de belo, então? Ora, longe de ser um filme fácil, “O Céu de Suely” é uma peça de arte: é a expressão do olhar de um autor, nesse caso, Karim Aïnouz. O diretor nos mostra que os céus do sertão brasileiro, não são apenas belos, mas, como disse Luiz Carlos Oliveira Jr. em seu artigo na revista Contracampo, “mais que o solo, mais que a pele, o que há de árido no sertão é o céu.” O belo está na forma, nas escolhas, na composição de um diretor (junto ao sempre fantástico de fotografia do paraibano Walter de Carvalho) que tem observado o Brasil e tem mostrando o mesmo sem clichês ou com uma dramaturgia piegas como no recente “Diamante de Sangue”, em que se mostra uma África pobrezinha que tem sido massacrada pelos “ocidentais malvados”.

Cinema brasileiro é bom, aliás, muito bom. O que talvez falte ao brasileiro é começar assistir o bom cinema brasileiro. “O Céu de Suely” pode ser um bom começo.

O CÉU DE SUELY /Karim Aïnouz, Brasil, 2006 / Com: com João Miguel, Georgina Castro, Maria Menezes, Zezita Matos, Mateus Alves, Gerkson Carlos, Marcélia Cartaxo e Flávio Bauraqui.

Em exibição no Cinemultiplex 3 Mag Shopping, Censura 16 anos.

by semcor

One Reply to “um poema e uma indicação”

  1. Meu amigo Semcor,um verdadeiro critico do cinema! arrasou! vou assistir o filme e ja tou fazendo a propaganda dele
    :P

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